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Doenças psíquicas adquiridas no ambiente de trabalho geram direitos previdenciários

O estudante de engenharia Marcelo Sorci, 31 anos, trabalhou como ajudante de operador de radar móvel nas cidades de São Bernardo do Campo e Mauá, na região do ABC Paulista (SP), entre abril de 2017 e maio de 2019. Tratava-se de um trabalho difícil sob sol, chuva e agressões morais e físicas. A dificuldade de relacionamento com colegas e a transferência para Mauá, por pressão da empresa, só agravou a situação, que acabou por resultar no desenvolvimento de um transtorno depressivo grave e de um transtorno de déficit de atenção e irritabilidade.
 
“Foi virando uma bola de neve. Houve um caso que a equipe estava operando um radar e chegaram bandidos armados que exigiram a retirada do radar. A central dizia que não iria retirar e os bandidos diziam que iriam voltar em 30 minutos. Imagina como ficava a cabeça”, relata Sorci.
 
Marcelo foi demitido, interrompeu a faculdade por falta de condições financeiras e, hoje, sonha em retomar o curso. O operador chegou a receber auxílio-doença previdenciário, mas o benefício foi cessado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “O trabalhador conseguiu na Justiça que o benefício fosse retomado e convertido em auxílio-doença acidentário, quando a doença tem relação com o trabalho. Ele também está solicitando indenização e direito de reintegração à empresa, pois quando você é afastado por doença do trabalho, tem direito à estabilidade de no mínimo doze meses”, relata Ruslan Stuchi, advogado do operador e sócio do escritório Stuchi Advogados.
 
O caso de Marcelo Sorci é o retrato de milhares de trabalhadores brasileiros que se afastam todos os anos de suas atividades em razão de doenças psiquiátricas desenvolvidas no ambiente de trabalho. Conforme números do INSS, nos primeiros nove meses de 2018 foram concedidas ao todo 8.015 licenças a trabalhadores por transtornos mentais em razão da atividade laboral, um crescimento de 12% em comparação ao mesmo período do ano anterior.
 
Segundo especialistas, o ambiente de trabalho pode acarretar uma série de problemas de saúde para os funcionários de empresas públicas e privadas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que até 2020 a depressão será a doença mais incapacitante do mundo. E situações geradas no ambiente de trabalho provocam uma série de problemas como estresse, ansiedade, depressão, transtornos bipolares, síndrome de Burnout – caracterizada por cansaço profissional, exaustão emocional e tensão exorbitante gerada pelo excesso de trabalho –, esquizofrenia e transtornos mentais relacionados ao consumo de álcool e cocaína, entre outros males.
 
De acordo com Daniel Moreno, especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados, se tornou cada vez mais comum o afastamento do trabalhador em razão de quadros depressivos e síndromes provocados pelo estresse e exaustão, como a do pânico e a de Burnout. “O trabalhador que desenvolver doença relacionada ao trabalho poderá buscar uma indenização contra o empregador. Não são raros os casos. Os mais comuns são decorrentes do assédio moral e jornadas exaustivas”, analisa o especialista.
 
“A promoção de um ambiente de trabalho equilibrado e sadio é dever do empregador. Cobranças exageradas de metas e tratamentos degradantes não devem ser tolerados pela empresa, justamente para evitar a sobrecarga de trabalho, o que pode vir a ser um fator determinante no surgimento e no agravamento do quadro de depressão e de outras síndromes do seu empregado”, orienta Felipe Rebelo, advogado de Direito do Trabalho do escritório Baraldi Mélega Advogados.
 
Rebelo destaca que a empresa precisa ter um olhar atento e humanitário com seus empregados, o que pode permitir a identificação de comportamento destoante do padrão comum. “Caso identificado que o empregado está enfrentando transtornos psicológicos, é valoroso que o empregador se prontifique a auxiliá-lo na medida do possível, como, por exemplo, se prontificando a ouvir, caso seja a vontade do empregado, os motivos que estão causando o problema. Além disso, é importante que o empregador conscientize seus empregados por meio de palestras que versem sobre a saúde mental, ajudando-os, portanto, a se informar sobre o tema, que cresce gradativamente a cada ano, muito em função do descaso quanto à busca por tratamento adequado e a falta de informação sobre o tema. Os exames médicos periódicos devem também ser criteriosos nesse aspecto, pois são fundamentais para o acompanhamento da saúde física e mental do empregado”, aconselha.  
 
Afastamento e direitos 
 
O trabalhador que sofre de depressão ou qualquer outro transtorno psíquico provocado pelo ambiente de trabalho deve ser afastado pela empresa. Para isso, é preciso agendar uma perícia no INSS a fim de comprovar o grau de sua incapacidade. Especialista em Direito Previdenciário do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, João Badari reforça que o órgão público fará a perícia para constatar a incapacidade, “devendo o segurado levar todos seus laudos médicos, atestados, receitas de remédios e outras provas que comprovem o seu quadro depressivo ou qualquer outra doença relacionada aos maus tratos no ambiente de trabalho”.
 
Após a conformação da perícia, o trabalhador deve ser afastado e receberá o auxílio-doença. O contrato de trabalho será suspenso, sem que possa ser reincidido, e o depósito do FGTS pelo empregador não pode ser cessado em nenhum momento. Novo exame pode permitir o retorno ao trabalhador à suas atividades com direito ao período de estabilidade. 
 
Adriana Barreto, do escritório Roncato Advogados, ainda lembra que a empresa, ao ser constado o transtorno mental, é responsável por emitir a chamada Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) ao INSS. A autarquia federal considera dois tipos de benefícios acidentários, dependendo do grau de incapacidade do trabalhador para exercer as suas atividades. “Se for constada incapacidade temporária, terá direito ao auxílio-doença e, se for definitiva, terá direito à aposentadoria por invalidez. De acordo com o INSS, as doenças psicológicas têm o mesmo procedimento que as físicas ou os acidentes”, afirma.
 
Segundo Badari, o trabalhador poderá ingressar na Justiça para garantir os seus direitos trabalhistas e previdenciários. “É importante destacar os dois lados, tanto o trabalhista como o previdenciário. O trabalhador pode conseguir o benefício previdenciário por incapacidade e isso não impede dele requisitar os direitos trabalhistas, inclusive o dano moral”, explica.
 
Felipe Rebelo reforça que a depressão hoje é uma das doenças que mais incapacita empregados no Brasil e que o trabalhador não pode ser dispensado sem um tratamento adequado. “Caso fique comprovado, por meio de perícia técnica, que o empregado efetivamente sofre de quadro de depressão, e que os transtornos psicológicos estão diretamente relacionados ao trabalho, é possível que o empregado busque a reparação dos danos oriundos, sejam eles de ordem moral ou material. Ademais, o empregado dispensado nessas condições poderá ainda pleitear a sua reintegração ao emprego ou a indenização substitutiva ao período da estabilidade provisória de emprego, sob o argumento de que a dispensa praticada pela empresa é nula, uma vez que à época da rescisão contratual encontrava-se doente, e, portanto, deveria ter sido encaminhado ao INSS, com a consequente suspensão do contrato de trabalho”, informa  o especialista.
 
Responsabilização
 
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, no último dia 5 de setembro, que as empresas podem ser responsabilizadas de forma objetiva por acidentes de trabalho, categoria na qual se esquadra o desenvolvimento dos transtornos mentais. 
 
Segundo Ana Laura Perez, advogada do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, o segurado muitas vezes não tem conhecimento dessa responsabilização. “Além do direito a receber indenização da empresa, também tem direito a receber uma indenização que será paga diretamente pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de até 50% do seu salário. Esse benefício tem o nome de auxílio-acidente”, explica.
 
Conforme a especialista, o benefício tem cunho indenizatório e, portanto, o segurado pode continuar trabalhando em atividade compatível com a limitação apresentada. Não deve ser confundido com o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, que substituem o salário e têm natureza jurídica alimentar. 
 
Ainda de acordo com o advogado trabalhista Daniel Moreno, o segurado com transtornos depressivos que tiver o pedido indeferido pelo INSS deve buscar a Justiça. “Por se tratar de uma análise mais subjetiva, na prática, está cada vez mais difícil o INSS conceder afastamentos aos trabalhadores acometidos pela depressão. Nesse caso, via de regra o trabalhador tem que acionar a Justiça”, afirma.
 
Roberto Debski, psicólogo e especialista em Acupuntura e Homeopatia pela Associação Médica Brasileira ressalta que é fundamental que familiares e amigos, assim como os colegas de trabalho, demonstrem-se solidários, compassivos e sem julgamentos ao perceberem que o trabalhador desenvolveu doenças como a depressão. “O depressivo não deve esconder seu problema sob o risco dele se agravar cada vez mais. Deve procurar ajuda profissional, iniciar um tratamento médico e informar sua situação ao seu coordenador na empresa para que possa haver um entendimento e compreensão de sua condição”, orienta.
 
FONTE: PORTAL PREVIDÊNCIA TOTAL

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