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Empregado de empresa de automação será indenizado por uso de computador pessoal no serviço
Automação S.A..
1. RELATÓRIO
O reclamante, qualificado na inicial, ajuizou reclamação trabalhista em face da reclamada alegando, em síntese, que foi admitido em 22.07.15 e dispensado em 13.04.16, sem o pagamento das verbas rescisórias; recebeu a menor os tíquetes refeição; não recebeu as horas extras realizadas; por diversas vezes laborou após 22 h e não recebeu o adicional noturno; trabalhou em período que seria destinado ao intervalo e não recebeu hora extra; para o exercício do labor foi necessária a utilização do seu computador pessoal, no período da admissão até 17.01.16, o que causou depreciação no equipamento.
Pleiteou as parcelas alinhadas nas páginas 9/12 da inicial, dando à causa o valor de R$55.000,00 e juntando documentos.
Defendeu-se a reclamada (ID ac400ff) aduzindo, em linhas gerais, que o autor deixou de comparecer para cumprir o aviso prévio; impugna os pedidos envolvendo parcelas rescisórias; o reclamante não fazia horas extras e não realizava trabalho noturno; a empresa pagou refeições para seus empregados em restaurante próximo, nos meses em que não foi concedido o vale alimentação; o reclamante não trabalhava com computador próprio.
Com a defesa foram juntados documentos, sobre os quais manifestou-se o reclamante (ID bbe5cef).
Foram ouvidas as partes e duas testemunhas (ID fa04b53).
Sem outras provas, encerrou-se a instrução.
Razões finais orais e inviável a conciliação.
É o relatório.
2. FUNDAMENTOS
2.1. Constou do termo de audiência de fl. 84 que "a reclamada se compromete a entregar diretamente na residência do reclamante, mediante recibo, até o dia 02.06.2017, o TRCT, a chave de conectividade, pelo que estiver depositado a título de FGTS, e o formulário do CD/SD (Seguro Desemprego). A reclamada fica de posse da CTPS do autor para anotação da baixa com data de 13.04.2016, se comprometendo a devolvê-la na mesma forma acima."
A audiência de instrução foi realizada em data posterior e as partes nada informaram nem requereram acerca das referidas guias e da CTPS, sendo de se presumir que as pretensões do reclamante foram atendidas, naqueles aspectos.
Portanto, o que resta a deferir são diferenças de FGTS e respectiva multa de 40%, considerando que a reclamada não garantiu a integralidade dos depósitos.
2.2. O reclamante não indica, na exordial, seus efetivos horários de trabalho, limitando-se a afirmar que nunca cumpriu a jornada contratada, tendo ainda a receber 317 horas extras; que diversas vezes trabalhou além das 22 horas; e que trabalhou no período em que deveria estar descansando.
A meu ver, é inepta a inicial na exposição de fatos e fundamentos do pedido. Nada obstante, desde a vigência do CPC de 2015 a questão deve passar pelo crivo do contraditório e da chamada "cooperação" entre os partícipes do processo. E neste aspecto, conforme se vê do termo de audiência (fl. 103), nem o reclamante se dispôs a suprir o defeito, nem a reclamada admitiu essa possibilidade.
A solução possível para se aproveitar os atos processuais seria extrair da prova oral a jornada média ou até arbitrá-la em função do conjunto probatório. E nessa senda, foram colhidos os depoimentos requeridos pelas partes.
O autor declarou o seguinte: "costumava sair às 20h, às 22h e às vezes até às 02h da manhã, sem intervalo; o horário de saída mais frequente era 20h, mas de três a quatro vezes por mês saía às 22h; a saída às 2h ocorreu durante duas ou três vezes durante o contrato; entre novembro/2015 e janeiro/2016, o horário de saída mais frequente era às 22h, sendo que no mesmo período também trabalhava em sábados até às 15h e também em domingos; fazia intervalo de almoço com duração de 1h em média 4 dias por semana; em dois períodos, que o reclamante acredita terem sido em agosto/2015 e em novembro/2015, a reclamada arcou com despesas de restaurante para alimentação do depoente; a empresa abateu o período do aviso prévio em horas extras do reclamante, de modo que não trabalhou no aviso".
Acerca da jornada, a testemunha Gustavo afirmou: "cumpria jornada das 11h às 17h48 em quatro dias da semana e no outro dia das 8h às 15h; (...); não havia registro de ponto na reclamada; o reclamante não tinha horário preciso de deixar o trabalho, porque, via de regra, havia atividades externas; também acontecia de estender o horário também em atividades internas; o horário de saída, tanto do depoente quanto do reclamante variava bastante; que quando saíam mais cedo deixavam o trabalho às 19h30/20h; já aconteceu de deixar o trabalho às 2h ou 3h da manhã; somente era concedido o horário de almoço de 1h, não havendo intervalo à noite; (...); tem conhecimento de que o reclamante ficava trabalhando até às 22h com bastante frequência, pois acontecia de o depoente sair do serviço e o reclamante continuar trabalhando; (...); indagado o depoente se é possível precisar a média de vezes em que deixava o trabalho às 20h, 22h e 2h, declara que é impossível precisar".
E a testemunha A. declarou: "o depoente realizava atividades externas e internas; nem sempre era cumprido o intervalo de almoço com intervalo de 1h; a jornada de trabalho do reclamante variava conforme a existência ou não de projeto na empresa, de modo que se não houvesse projeto ou se o projeto estivesse em desenvolvimento regular a saída podia ocorrer às 17h48, mas do contrário, era necessário trabalhar até mais tarde por volta de 22h ou mais; o período com maior volume de trabalho em virtude dos projetos relacionado ao reclamante, teve início em outubro, mês em que o horário de saída mais tarde aconteceu em torno de três semanas no mês; em novembro e dezembro a saída em horário mais tarde ocorreu em praticamente todos os dias; quanto ao período posterior o depoente não tem certeza porque se afastou a partir de 22/dezembro para gozo de folgas compensatórias das horas extras que havia acumulado e depois disso não mais retornou tendo a rescisão ocorrido em janeiro de 2016; na época em que passou a ter folgas compensatórias de horas extras, em dezembro, o depoente estava com 460 horas extras acumuladas; (...); durante o período de maior volume de serviço também era solicitado que trabalhasse em sábados e domingos e, inclusive trabalho de madrugada; o depoente realizava serviços internos e externos diariamente; não é possível determinar quanto tempo ficava na empresa diariamente e quanto tempo ficava fora da empresa; o reclamante também realizava atividades externas e internas".
As perguntas encaminhadas pela reclamada envolvendo fiscalização sobre jornada externa se revelavam impertinentes, pois a matéria é estranha à lide e nada fora dito a respeito em contestação.
Ficou demonstrado, portanto, que a jornada normal era habitualmente extrapolada, e que quando o número de horas extras ficava acumulado eram concedidas folgas para compensação. Foi ainda confessado pelo reclamante e pelo sócio da reclamada que o não cumprimento do aviso prévio foi ajustado como forma de compensar horas extras acumuladas.
As partes não esclareceram se na contagem dessas horas extras para efeito de compensação já teriam sido incluídas as horas do trabalho em períodos que deveriam ser destinados aos intervalos intra e interjornadas, e também pela redução legal da hora noturna, mas, como os advogados insistem em que a petição inicial deve ser aproveitada, devo presumir que a resposta é afirmativa, afinal, todo esse labor tem natureza jurídica de hora extra.
Destaco que, a despeito de o autor ter se referido a "indenização" no penúltimo parágrafo da pág. 6 da peça inicial, o que ele pede é hora extra, pois abrange adicional de hora extra e reflexos em todas as verbas trabalhistas.
Pontue-se, também, que o depoimento do reclamante aponta para a inobservância do intervalo mínimo intrajornada de uma hora em no máximo em um dia por semana, e ao intervalo entre jornadas em apenas duas a quatro vezes durante todo o contrato.
Ante todo o exposto e com base nos elementos de prova coligidos, fixo as seguintes premissas fáticas para a solução da controvérsia: a) o reclamante fez horas extras, tanto por superação aos limites máximos de 8 h diárias e 44 h semanais, quanto por não fruição integral dos intervalos intra e interjornadas; e b) algumas dessas horas extras foram compensadas com folga, inclusive no período em que o autor deveria ter cumprido o aviso prévio.
Pois bem, no item IV da inicial o reclamante aponta o número de 317 horas extras ainda não quitadas (fls. 6/7), número este que guarda razoabilidade em comparação com aquele declinado pela testemunha A. (que asseverou ter acumulado até dezembro 460 horas extras, passando a folgar a partir do natal para compensá-las - fl. 104).
Assim, defiro ao reclamante o pagamento desse saldo de 370 horas extras.
Defiro também o pagamento do aviso prévio indenizado, pois o depoimento do sócio da reclamada jogou por terra a alegação de defesa no sentido de que o obreiro teria faltado injustificadamente no período do aviso.
A reclamada não impugnou objetivamente o quantum das verbas rescisórias, nem se deu ao trabalho de juntar o TRCR do reclamante, de modo que defiro o pagamento das verbas rescisórias nos valores postos na inicial. Destaco que o documento de fl. 83 é insuficiente à prova de pagamento de salário (e, aliás, foi indexado como "recibo de salário 13º salário 2015"). Por outro lado, o saldo de salário de abril/16 é de 13, e não 14 dias, considerando a dispensa em 13.04.16.
Quanto aos reflexos de horas extras e adicional noturno, impossível deferir reflexos em repousos, porque não apontada uma média mensal que possibilitaria a obtenção de parâmetros de cálculo.
Defiro reflexos apenas em 13º salário, férias com o terço, aviso prévio e FGTS com 40%.
Defiro, mais, o pagamento do adicional noturno sobre quatro horas noturnas (trabalhadas após 22h), em três dias durante todo o contrato. Não existindo habitualidade, os reflexos são devidos apenas em FGTS com 40%.
Defiro, ainda, a multa do artigo 477, § 8º, da CLT, porque não houve qualquer pagamento ao título de verbas rescisórias, como também a multa do artigo 467 da CLT, pois a controvérsia suscitada pela ré foi meramente aparente (tanto que depois o preposto contrariou a defesa em relação à tese de faltas injustificadas no aviso). Esta última, contudo, incide apenas sobre parcelas rescisórias em sentido estrito.
2.3. Sobre o pedido de indenização por não fornecimento de tíquetes alimentação, a defesa alegou que, no período em que não forneceu, arcou com despesas de alimentação dos empregados em um restaurante próximo. Assim, atraiu para si o ônus da prova, nos termos do art. 818 da CLT e art. 373, II, do CPC.
E desse ônus não se desincumbiu, pois as testemunhas não provaram que o restaurante foi disponibilizado por todo o período em que não foi fornecido o tíquete.
Prevalecem, assim, as alegações do reclamante no sentido de que ainda existe a receber o saldo apontado no item III da petição inicial, fl. 5.
Defiro.
2.4. A prova testemunhal confirma a alegação de que o reclamante, por certo período, se valeu de computador pessoal para realizar as suas atividades.
Na relação de emprego, quem deve arcar com os riscos da atividade econômica é o empregador (art. 2º da CLT), não podendo esses ônus serem transferidos ao empregado.
Assim, é mesmo devida uma retribuição adicional ao reclamante, ao título de aluguel, pelo uso de equipamento pessoal em benefício da atividade da reclamada.
Diante da impugnação feita na defesa, e considerando o quantum declinado em e-mail juntado pelo próprio autor (fl. 34), fixo o valor do aluguel em R$290,00 mensais.
2.5. Não há convenção coletiva nos autos a amparar o pedido de multa convencional.
Improcede
2.6. Os honorários advocatícios somente são devidos em reclamações trabalhistas na hipótese de que cuida a Súmula 219 do TST, não sendo este o caso dos autos.
Indefiro.
2.7. Ante a declaração de ID 919ac21, concedo ao reclamante os benefícios da Justiça gratuita (art. 790, § 3º, da CLT).
2.8.As verbas aqui deferidas deverão ser corrigidas monetariamente, pro rata die, a partir do vencimento das obrigações, nos moldes da Súmula nº 381/TST.
Sobre o valor corrigido, incidirão os juros de mora, contados do ajuizamento da ação, nos termos da Lei 8.177/91.
As contribuições previdenciárias a cargo do empregado, incidentes sobre os saldos de salários, sobre o aviso prévio, sobre os 13º salários, sobre as horas extras e seus reflexos em 13º salário e em aviso prévio, e sobre o adicional noturno, deverão ser apuradas e deduzidas do seu crédito, devendo a reclamada providenciar o correspondente recolhimento, juntamente com a parcela a seu cargo, comprovando-o nos autos no prazo legal, sob pena de execução. As demais parcelas da condenação têm natureza indenizatória.
Deverá a reclamada, ainda, fazer a retenção do imposto de renda na fonte, na forma da legislação pertinente, e comprovar os recolhimentos no prazo legal.
No tocante ao desconto do imposto de renda, o desconto deverá levar em consideração as tabelas e alíquotas das épocas próprias a que se referem tais rendimentos, devendo o cálculo ser mensal (regime de competência) e não global (regime de caixa), conforme inteligência do Ato Declaratório do
Procurador Geral da Fazenda Nacional - PGFN N.º 1 DE 27.03.2009, considerando também o disposto na
Instrução Normativa 1.127/2011, da Secretaria da Receita Federal. Aplicável, ainda, a Orientação
Jurisprudencial 400 da SBDI-1 do TST, que determina que sobre os juros não haverá incidência desse tributo.
3. CONCLUSÃO
Pelos motivos expostos, julgo procedentes, em parte, os pedidos formulados por C.V.R. em face de A.A.S., condenando a reclamada a pagar ao reclamante, no prazo legal, conforme se apurar em liquidação, observados os parâmetros estabelecidos nos fundamentos, que integram esta decisão, as parcelas seguintes: diferenças de FGTS e respectiva multa de 40%; saldo de salário de Fevereiro/16 no importe de R$1.681,00; salário de março/16 no importe de R$3.200,00; saldo de 13 dias de abril/16, no importe de R$1.386,66; aviso prévio no importe de R$3.200,00; 13º salário de 2015 no importe de R$1.335,33; 13º salário de 2016 no importe de R$1.066,66; férias proporcionais com o terço, no importe de R$2.399,99; multa do artigo 477 da CLT, no importe de R$3.200,00; multa do art. 467 da CLT, incidente sobre saldo de salário do último mês, aviso prévio, 13º salário proporcional e férias proporcionais com o terço, no importe de R$4.026,65; saldo de 370 horas extras, com reflexos em 13º salário, férias com o terço, aviso prévio e FGTS com 40%; adicional noturno sobre quatro horas noturnas em três dias durante todo o contrato, e reflexos em FGTS com 40%; diferenças de tíquete alimentação, conforme pleiteadas na alínea "c" do rol de pedidos e no item III da causa de pedir (fl. 5); indenização correspondente ao valor de aluguel (R$290,00 mensais) do computador pessoal do reclamante, pelo período da admissão até 17.01.2016.
Incidem juros e correção monetária na forma da lei e de acordo com a fundamentação.
Contribuição previdenciária e retenção do imposto de renda na fonte, também nos termos dos fundamentos.
Concedo ao reclamante os benefícios da Justiça gratuita.
Custas, pela reclamada, no importe de R$500,00, calculadas sobre R$25.000,00, valor arbitrado à condenação.
Intimem-se as partes.
Intime-se, a final, a União, nos termos do art. 832, § 5º da CLT.
FONTE: JORNALJURID