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Princípio da Legalidade – Amplo direito de defesa

Fundamenta-se o Estado de Direito democrático no princípio da legalidade. Vamos encontrá-lo em dois dispositivos da Constituição: no inciso II do art. 5º, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, e no art. 37, endereçado à Administração Pública, cujos agentes, segundo a Lei Maior, não poderão se afastar da “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, no exercício das respectivas atribuições.

Ao Ministério Público compete “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (CF, art. 129, II). Eventuais desvios de conduta podem ser alvo de reclamações à Ouvidoria, com recurso ao Conselho Nacional, ou de denúncia.

Pertence, também, ao MP a responsabilidade de instaurar inquérito civil e ação cível pública, “para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (CF, art. 129, III).

A ninguém é dado ignorar o relevante papel desempenhado pelo Ministério Público da União e dos Estados, na defesa dos direitos constitucionais. Ao compararmos o tratamento que lhe foi dado pela anterior Constituição de 1967 (Emenda 1/69), verificaremos a evolução trazida pela atual Lei Maior, que o deslocou do âmbito do Poder Executivo para a esfera do Poder Judiciário, no capítulo que trata “Das Funções Essenciais da Justiça”, ao lado da AGU, e da Advocacia e Defensoria Pública.

Algo, porém, me causa estranheza no procedimento de representantes do Ministério Público do Trabalho. Alguns – certamente poucos - violam os limites da legalidade, ao tentarem coagir empresas acusadas de se encontrarem em situação irregular, assinatura de TACs, exigindo, ainda, desembolso de elevadas quantias a título não se sabe do que, na ausência de esclarecimento.

Por destacadas que sejam as funções que desempenha, o MP não está acima da lei. Investiga, acusa, mas não sentencia, prerrogativa reservada aos órgãos do Poder Judiciário, os quais, por sua vez, não podem recusar o contraditório e assegurar amplo direito de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5ºLIV e LV).

Conheço caso (que não me parece isolado) de Procurador do Trabalho do interior do Estado, que intimou certa empresa a comparecer à sede regional do órgão, e lhe exigiu imediata assinatura do TAC. Não bastasse, cobrou 2 milhões de reais, sob ameaça de ajuizamento de Ação Civil Pública, com pedido de indenização por danos morais coletivos.

É claro que não foi obedecido. De um lado porque a empresa não dispunha da elevada quantia, salvo se deixasse de pagar salários, fornecedores, luz, água, impostos. De outra parte porque não teria como dar saída ao dinheiro pelas vias legais. Finalmente, não iria correr o risco de vir a ser acusada de corrupção ativa.

Admitido o fato de que o Ministério Público não sentencia, tampouco impõe sanções monetárias, resta indagar qual o destino previsto para dinheiro recolhido diretamente ao Procurador. Seria para obras de melhoria, e aquisição de bens, como computadores e veículos? Ainda que assim fosse, não se deve ignorar que serviços públicos são mantidos com recursos do erário, recolhidos pelos contribuintes conforme regras constitucionais e legais.

Imagine-se situação contrária à descrita no caso citado: hipotético dirigente de empresa é intimado a comparecer diante de representante do MP, para se explicar acerca de suposta irregularidade. Ao se apresentar propõe que o problema seja resolvido mediante acordo, reforçado com o desembolso de 2 milhões de reais. Qual a reação do Procurador? Aceitaria? Negociaria? Daria voz de prisão ao corruptor?

Estou convencido de que não estamos diante de conduta generalizada, mas de caso isolado. De toda maneira, é importante que a alta administração do Ministério Público, e o Conselho Superior tomem ciência, apurem, e se manifestem.

Afinal, em meio à tremenda onda de corrupção que se abate sobre o País, todo o cuidado ainda é pouco.

 

*Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do TST.

FONTE: MIGALHAS

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