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Suspensão de ações de acordos coletivos traz segurança jurídica, mas onera empresas

Processos que discutem a negociação de direitos trabalhistas em acordos coletivos estão suspensos por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), desde julho de 2019. A impossibilidade de julgar essas demandas tem preocupado empresas, trabalhadores e magistrados da Justiça do Trabalho.

Se por um lado advogados avaliam que a decisão do Supremo sobre o tema trará segurança jurídica para as negociações entre empresas e funcionários, por outro, os processos podem ficar parados por anos até que o STF decida, paralisando parcialmente a Justiça e onerando as empresas – na Justiça do Trabalho, são devidos juros de mora de 1% ao mês, além da correção monetária. Assim, quanto mais tempo um processo fica parado, mais caro fica também.

O fato gerou certo mal-estar inclusive no Tribunal Superior do Trabalho (TST). No dia 10 de outubro, o tribunal confirmou a suspensão nacional de todos os processos que tratam sobre a negociação de direitos não previstos na Constituição, em sentido amplo. Alguns ministros defendiam suspender apenas as ações que tratavam sobre os assuntos citados na decisão do STF, que reconheceu a repercussão geral do tema.

Nos bastidores, alguns ministros do tribunal trabalhista avaliam a medida do Supremo como interferência exagerada na Justiça do Trabalho, pois uma grande fatia dos processos trabalhistas questiona cláusulas de acordos e convenções coletivas. Alguns ministros do TST chegaram a falar que a suspensão afeta cerca de 50% dos processos. Atualmente, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há mais de 13.300 processos paralisados – e o número aumenta dia após dia.

Na prática, advogados avaliam que o efeito imediato é negativo para todo mundo – para empresas, sejam privadas ou públicas, para trabalhadores e operadores de Direito – porque, além de onerar empregadores, não permite que os processos tenham o seu curso normal.

“Então as empresas a depender da posição financeira que ela coloca quando ela faz o contingente dos passivos dela, ela tem que ficar repondo esse dinheiro, porque o valor vai aumentando mês a mês”, explica a advogada Caroline Marchi, sócia do escritório Machado Meyer.

Apesar de no futuro a decisão trazer segurança jurídica para todas as partes, tendo o condão inclusive de incentivar os acordos coletivos dentro de parâmetros mais seguros, passar anos com processos parados na Justiça pode fazer com que as empresas e sindicatos simplesmente parem de negociar por receio de eventual questionamento na Justiça.

É comum que uma mesma reclamação trabalhista questione vários assuntos, além das cláusulas previstas em negociação coletiva. Assim, ainda que o STF, no futuro, dê aval para a negociação de direitos em acordos coletivos, pode ser que o ônus dos processos seja maior do que a economia que a empresa teria com a validação do acordo coletivo por causa dos juros e correção monetária dos outros questionamentos.

“As empresas deveriam fazer uma análise sobre esse prisma: se a suspensão do processo vai causar mais prejuízo ou mais vantagens. Para o trabalhador, eu não tenho dúvida de que há prejuízo sim, ao menos a princípio”, explica o advogado Cleber Venditti, sócio do Mattos Filho e especialista em Direito Trabalhista.

O caso dificilmente deve ser pautado neste ano. Ainda que haja algumas datas disponíveis, a Corte deve usá-las para se debruçar sobre questões penais, tributárias e referentes a administração pública que tramitam há mais tempo entre novembro e dezembro.

O ministro Gilmar Mendes, relator, pediu para que o processo seja incluído em pauta desde maio de 2019, porém, até agora não ganhou data – depende do presidente Dias Toffoli marcar o julgamento. O processo ainda não ganhou parecer da Procuradoria-Geral da República.

A repercussão geral e consequente sobrestamento foi definido no ARE 1.121.633. A ação trata da supressão do pagamento das horas in itinere – tempo de deslocamento entre a residência do funcionário e seu local de trabalho, quando de difícil acesso – em acordo coletivo, em troca de outros benefícios. O recurso envolve uma mineradora de Goiás. Quando foi reconhecida, por unanimidade, a repercussão geral do caso, a tese foi expandida.

Para a advogada Monya Tavares, diretora do escritório Mauro Menezes, essa extensão da interpretação foi negativa para todos os lados. “Foi uma interpretação extensiva à decisão do próprio Supremo, e essa interpretação acaba prejudicando o jurisdicionado, e na maioria das vezes o trabalhador precisa esperar por uma solução do conflito. Se o TST tivesse sobrestado somente os processos que discutiam horas in itinere, essa proporcionalidade seria bem menor, do que a que vai alcançar agora”, opina.

Na prática, a Corte vai decidir a validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente, como horas-extras, intervalo intrajornada, horário de almoço, negociação dos percentuais de adicionais de insalubridade e periculosidade.

Para a advogada Raquel Bartholo, do Cezar Britto Advogados, o impacto deve ser grande. “Particularmente, eu entendo que essa é uma decisão que pode de certa forma amarrar a Justiça do Trabalho, se o STF não der celeridade a esse julgamento”, diz. “O que nós temos hoje é a prevalência da negociação coletiva e a possibilidade de negociar os direitos em lei. Essa era uma jurisprudência consolidada e causa espanto, considerando que já há a disposição da reforma trabalhista de prevalência do negociado”.

No STF, a possibilidade de supressão ou restrição de direitos em acordos coletivos nunca chegou a ser analisada com profundidade. O precedente mais relevante é um julgamento de 2015, em que o plenário decidiu que é constitucional a renúncia genérica a direitos mediante adesão a plano de demissão voluntária. Porém, no caso de outras negociações, não há jurisprudência formada.

O recurso em que o tema é discutido no STF é anterior à reforma trabalhista de Michel Temer (Lei 13.467/2017). A decisão da Corte, entretanto, pode balizar entendimentos em ações que questionam a reforma, que tem como um de seus principais pilares a possibilidade do negociado entre patrões e empregados prevalecer sobre a legislação.

A discussão deve dividir o Supremo. Há uma ala formada por ao menos quatro ministros que tendem a ser contrários à negociação – para mais em algum ponto, e para menos em outro em outro para compensar – de benefícios e direitos previstos na CLT, enquanto há ao menos outros três ministros que têm defendido a maior autonomia da negociação entre empresas e funcionários, principalmente sob o discurso de incentivar o crescimento de empregos.

FONTE: JOTA por Hyndara Freitas

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